O despertar para o amor

Hélder, no Rio de Janeiro, em 1938, eu adolescente e  inexperiente,  caí nas garras de uma mulher casada. Veja a história dentro de toda realidade e que sua mãe conhece: O marido da mesma, de nome Alberto, entregava pão com um triciclo. Ao fazer uma curva  no morro do Pinto,  bateu em um poste e arrebentou-se todo. Ele era recém casado. Ela, descendente de italianos, todos nossos amigos ex vizinhos da cidade de Marília-SP.  O marido no hospital todo engessado e a esposa, com medo de dormir sozinha, ficou em nossa casa esperando pela alta do cônjuge. O nome da artista: Júlia Bianchi (lê-se biânki) Isto aconteceu em 1938 (eu tinha 14 anos de idade). Era metido a menino esperto mas a ingenuidade dominava a minha alma. No nosso barraco, a minha  obrigação era  arrumar  cozinha todos os dias. Na hora das refeições, cada um fazia  o seu prato e sentava onde fosse possível. Eu me ajeitava na soleira da porta, prato cheio,  comia de colher, sempre descalço e de calça curta. Como Ataulfo Alves, "eu era feliz e não sabia". A Júlia mudou o nosso ambiente. Deixei de arrumar cozinha,  ela o fazia e sentávamos à mesa igual gente civilizada. Um dia tive que sair em companhia da mesma. Ela vivia me devorando com os próprios olhos. Tivemos que tomar o bonde Sta. Alexandrina para o Rio Comprido e fui empurrado para o último banco em que só se andava de marcha-ré. A conquistadora virou-se pra mim e falou: [Waldemar se eu pedir uma coisa você me dá?] .  Fiquei perplexo, não dispunha de nada de valor  para oferecer-lhe. No  bolso da minha calça curta remendada, carregava, em grande quantidade,  chapinhas de cerveja e figurinhas de nome Agapito. Coleção da época. Pensei, será que a Júlia vai querer as minhas figurinhas? Continuava devorar-me com os olhos vidrados  e aguardava a minha resposta. Perguntei que é que você quer? Ela: {um  beijo seu!} .  Virei o meu rosto encostando em seus lábios mas ela não se conteve e quase me matou asfixiado. Para chegar em nosso barraco, na estrada da Lagoinha, 126, em Sta. Tereza (caminho do Silvestre), tínhamos  que subir o morro de Sta. Alexandrina, Rio Comprido, atravessando uma pequena floresta desabitada. Ali, paramos novamente e bejos e mais beijos. A lua era a única testemunha do  romance recente  Em resumo, fiquei freguês assíduo. Donana, minha mãe,  nem sonhava que o wardemá tinha fisgado o anzol.  Duas vezes por semana, ela descia o morro para tomar injeção numa clínica na Lapa - perto da cinelândia. Ao sair, a Júlia imediatamente passava pra minha cama. Era a farra que  Romeu e Julieta não tiveram.  De vez em quando, recebíamos a visita de um médico de Botucatu-SP, dr. Antônio de Moura e que trabalhava no Rio, serviço Federal.  Ele nasceu em Alagoas e tinha olhos azuis, prova da invasão holandesa  pelo nordeste. Mamãe saiu para a injeção e Dr. Moura flagrou-nos em cheio. Em particular, confidenciou com Donana:   {Precisamos tirar o Waldemar do Rio de Janeiro, com urgência.  Essa mulher está desencaminhando o menino!}.  Na mesma semana estava sendo internado no Aprendizado Agrícola Visconde de Mauá" em Inconfidentes-MG (perto de Ouro Fino.  O aprendizado pertencia ao Ministério da Agricultura. Lá permaneci todo o ano de 1939. Todos os alunos, além das aulas teóricas, eram obrigados a trabalhar na lavoura.  Como sempre fui um exímio datilógrafo, a diretoria do colégio aproveitou-me para ajudar na secretaria  do Aprendizado. Adorei o colégio mas sempre com muitas saudades da Júlia. Nas férias de dezembro,  retornei à casa e a dita cuja estava em compania  do marido recuperado. Lourival, meu irmão de criação e que presenciou todo o meu idílio,  desabafou comigo: "Waldemar você foi para o Sul de Minas e o dr. Moura ficou no seu lugar". Aí pensei: Alagoano de uma figa! Nunca usei palavrões e, se usasse, teria dito uma porção. Se tivesse continuado no aprendizado, hoje, talvez,  fosse engenheiro agrônomo. Aquele colégio, até hoje, prepara  alunos para a Faculdade de Viçosa-MG. Isto tudo aconteceu para que um dia, eu conhecesse a Jahyra.  Naquela época, já estava escrito: O Waldemar vai ser um homem feliz!  A Júlia Bianchi despertou-me para o meu verdadeiro amor,  a sua mãe, nossa  Jahyra  mui querida!. Abraços do pai.